segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Fernando Pessoa e a Polémica

Tem circulado na internet certa quantidade de cartas polemizantes em torno de Pessoa: dos familiares a propósito dos investigadores, dos investigadores a propósito dos familiares, da directora da Casa Fernando Pessoa a propósito dos dois e etc.

Há um ponto especial nisto tudo que parece opor simbolicamente os vários signatários: os investigadores em causa são-no e são estrangeiros e os familiares de Pessoa são-no e não são investigadores.

Setenta anos passaram da morte de Pessoa e desse espólio bibliográfico, entre manuscritos, dactiloscritos, mistos - corrigidos ou não - marginálias, traduções, cartas, originais e tudo o mais, em setenta anos, terão sido desviados, incertamente catalogados, duvidosamente atribuídos, ambiguamente copiados e também ambiguamente editados, vendidos, leiloados, coleccionados uma quantidade que não podemos agora nem nunca poderemos prever.

E nisto tudo Pessoa é uma construção. É uma construção de João Gaspar Simões, de José Régio, de Adolfo Casais Monteiro. Ou seja da Presença e depois da Ática. E depois de toda a gente. É uma construção até por parte da figura de bronze da Brasileira. Ou do desenho de Almada. E Pessoa foi sempre estes pedacinhos, e sempre nada. Foi sempre esta bagunça de papeis, este corropio de colecção. Foi sempre estas lutas de recolha, de leitura, estudo e edição.

É preocupante não se ter os papeis todos? É.
É preocupante não haver catalogação exaustiva de tudo, das suas leituras aos textos, seja em que suporte for? É.

Mas é outra coisa também, igualmente supersticiosa: nos braços e pernas e corações e cabeças dos familiares de Pessoa corre-lhes o seu sangue, e isso é coisa mágica que os não iguala a ninguém; e também é verdade que nos é simbolicamente humilhante que sejam investigadores estrangeiros a estudar, a editar, a compilar, a ler e a decifrar a caligrafia de Pessoa.

Isso, mais que os leilões, mais que Jorge de Sena a subtrair o original da "Ceifeira", mais que o possessivo Gaspar Simões, mais que os erros de leitura da Ática, mais ainda que a ameaça de dez anos de processo judicial da Assírio à Relógio D´Água por causa da publicação de Teresa Sobral Cunha do "Livro do Desassossego", mais do que tudo, isso é que nos rouba.

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