terça-feira, 11 de junho de 2013

A história dos 125 poemas para 125 anos de Fernando Pessoa - a minha primeira maratona poética



Há perto de dois dias fiz uma sessão de poesia de quase seis horas, vou contar-vos como isto aconteceu.

Foi o mais louco mês que conduziu à mais louca sessão em que alguma vez participei. E para isto é preciso que haja mais gente digamos louca, ou pronta a embarcar em loucuras quanto eu.

Há um mês foi o Bairro dos Livros de Maio, "Ler é um bigode". Fiz uma modesta sessão de homenagem a João Villaret, que fazia por essa altura 100 anos.

No final aconteceu ler alguns poemas de Pessoa e, depois de acabar, ficámos todos a conversar. Nestas coisas pode-se dizer que as ideias são como as cerejas... e da cabeça de algumas pessoas destemidas que estavam naquelas mesas do Café Progresso nasceu uma ideia maluca: fazer um Bairro dos Livros dedicado a Pessoa, pelo seu 125º aniversário. A minha ideia era dizer 125 poemas, a ideia dos outros era de que eu não era irreversivelmente maluco.

Em dois segundos conjugaram-se vontades e projectos latentes (como as ideias de se abrir determinado alfarrabista à noite...), simpatias crescentes e já desenvolvidas e então - espantem-se - manhã cedo daí a dois dias eu estava a reunir com as dinâmicas directoras criativas da Cultureprint (que organiza o Bairro).

Mais um dia e todos os parceiros livreiros do Bairro "Ler é Fernando Pessoa" estavam connosco, abrindo excepcionalmente, dando o espaço e a disponibilidade.

Daí a dias a Porto Editora apoiava com livros e a Rádio Manobras assinava Presente!

Entretanto eu tinha sido advertido de que a sessão iria demorar perto de seis horas, pelos cálculos das sempre atentas meninas da Cultureprint (perdoem-me o eterno meninas, mas vocês só merecem o carinho desse nome...).

Ora bem, eu nunca tinha tentado um número assim de poemas, mas a minha experiência com os 40 e tais poemas da "Mensagem" com que fiz várias sessões, dava-me uma ideia da duração, do fôlego, da comunicação e do desgaste.

Mas 40 e tais poemas não são 100, ou 125...
E ainda por cima é diferente eu fazer uma sessão (como tenho feito) com poemas que eu escolha e fazer uma sessão gigante com poemas escolhidos só por outras pessoas... pois esse era o projecto para estes 125 poemas.

Não queria ser eu as escolhê-los por vários motivos:
- há a angústia da escolha;
- há a vontade de democratizar um momento e um poeta que não é (só) meu, mas património nacional;
- querer fazer um encontro em torno de Pessoa.

Mas vejam, ter 125 sugestões de poemas não é pêra doce, e nem eu sabia que seria assim, num processo que me trouxe imensas surpresas:

no espaço de um mês eu deveria ter o elenco dos poemas, organizá-los, ensaiá-los, portanto mandei pedidos por email, por facebook, pessoalmente... e fui tendo as respostas mais diversas. Houve quem respondesse logo, quem nunca respondesse, grandes amigos que não fizeram caso, desconhecidos que na volta da mensagem indicavam um título, houve poemas que eram pedidos várias vezes e pessoas que pediam vários poemas.

Eu assentava numa lista Quem e o Quê me pedia, e ia procurando os poemas numa edição muito ranhosa que tenho do Pessoa, mas que tem os índices dos poemas que tem, depois ia procurando nos livros que iria usar ou nas edições críticas à procura daqueles que me escapavam.

Houve poemas que encontrei numa única edição, houve poemas que eram diferentes de edição para edição. Houve poemas que talvez dissessem muito de quem os escolhia, e houve sempre um perfil poético deste Portugal que me respondia que ia de Ricardo Reis ao Livro do Desassossego, passando por Campos, Caeiro, Mensagem, cartas, Fausto, e tudo.

Na sexta feira antes da sessão (que foi sábado) eu ainda estava a receber propostas, e mesmo assim ainda só tinha comigo perto de 70 ou 80 textos... Estava áquem. É verdade que os poemas escolhidos eram gigantes, é verdade que os poemas de Álvaro de Campos já davam para preencher todo um Bairro, em média com 3 páginas de extensão... desde a Ode Triunfal à Tabacaria... Mas também é verdade que eu estava entusiasmado. Era um projecto que se ia concretizando.

À última da hora sou forçado a escolher poemas para compor os 125 poemas: quadras. Ninguém me tinha pedido quadras e Pessoa tinha sido exímio nelas. Considerava-as poemas perfeitos e tinha escrito centenas. Pego na edição que lhe fez Teresa Sobral Cunha e toca para a frente: os poemas que me faltarem serão estas quadras (quem lá esteve sabe que não são menos poesia que as odes de Reis).

Estou desesperado com os livros que tenho que levar, não cabem. Não cabem na mala de mão, não cabem nem em mochilas.... Lembro-me da mala da Ryanair. E, meus amigos, foi nessa mala que couberam perto de três dezenas de livros, todos com papeizinhos a marcar os poemas e quem mos tinha pedido (para que me lembrasse de que a sessão era de todos nós).

Livros arrumados, sinto-me mais descansado. sinto-me pronto. Ao fim de um mês isto ia arrancar. Sem sofreguidão, sem ânsia, sem expectativa. Ia pronto. É claro que talvez ninguém vá realmente pronto para uma coisa destas...

A mala na rua de Cedofeita rolava nas suas rodinhas rrrrrrrrrrrrrr à maneira da Ode Triunfal de Campos.

Chego à Paraíso do Livro, vejo as máscaras do Pessoa boladas por cabeças geniais, para colocar em cabeças originais, como foi o caso.

Pelas 15h e picos começámos. Ainda tive a tentação de pôr o cronómetro (à maneira de uma verdadeira maratona) mas depois do primeiro intervalo esqueci-me de retomar...

Ao todo terei feito cinco intervalos e perto de cinco horas e tal de sessão:

hora e meia na Paraíso do livro, com Caeiro, Quadras, Ode Triunfal de Campos(take 1), Ortónimo;

hora e meia na Imprensa Nacional Casa da Moeda, com algum do Campos, muito do Reis, Mensagem, Ortónimo (na edição da INCM);

e duas horas e muito na Moreira da Costa, com os restos do Reis, do Ortónimo, muitas quadras, e muito, mas muito Campos, acabando à meia noite a dizer a Ode Triunfal (take 2) para a Rua de Aviz, gritando, entre o cansaço e o extasiado que se sente um toureiro.

Acabavam assim horas de poesia, no Porto, em que o Pessoa tinha sido nosso.

Meu porque o dissera, vosso porque o escolheram, apoiaram e assistiram. Houve quem tenha assistido à primeira ou à segunda ou à terceira parte. Houve quem tivesse ido à primeira e segunda, ou segunda e terceira. Houve quem viesse de longe e me visse pela primeira vez, ou quem viesse novamente. Houve sorrisos, comoção, prendas e, meus amigos, aquilo foi uma festa. Foi a grande fogueira em torno da qual nos aquecemos, nos revimos, admirámos o homem que foi o nosso século xx, colocámos as máscaras de sermos Pessoa.

E, mais uma vez, aconteceu um Bairro dos Livros. Uma ideia que não morre, reunião de pessoas maravilhosas, fruto da carolice e do amor à imaginação, aos livros, aos poetas e às livrarias.

Foi um dia, foi um mês, foi uma maratona.

Antes de acabar o último poema eu pensei que ia morrer, ao acabar percebi que não morrera.

Sou-vos franco, disse logo para comigo "nunca mais uma loucura destas". Depois fui tomar um cálice com os meus amigos Bairristas a brindarmos aos projectos que se fazem, depois fui para casa arrastando os livros que levara. Depois veio a noite e outra noite, e hoje, agora, são 23h30 e parece que sinto uma comichão, um não sei quê que vibra e me diz "para quando a próxima maratona?".

Episódio 162/365 Algumas quadras de Fernando Pessoa